terça-feira, 16 de março de 2021

SEMJAZA & ASAEL

    O DIÁRIO DE AZAZEL - PAGINAS 2047 A 2053

Em todo o tempo ama o amigo; e na angústia nasce o irmão -   Provérbios 17: 17

Em todos tempos houveram amores proibidos, principalmente por diferenças sociais, raciais e econômicas, sempre, em toda parte do tempo da historia humana e animal, igualdade não foi mais que mera utopia. Nem mesmo, no Clã dos Corvos e no Clã dos Lobos, a hierarquia e os níveis, por mais sutis ou fluídicos que pudessem parecer, deixaram de existir.

Conheço meu lugar no bando e minha posição da alcatéia, sempre respeitei a disciplina Coventicular e no Aquerrale sei onde é meu lugar diante do Pai de Chifres. Nunca fui um sangue puro, não sou louco para apregoar uma inexistente avó-bruxa-monomastequitomizada. Posso até, por linhagem Ancestral, ser pedante chegar ao ponto de citar meus antepassados até Africanos escravizados trazidos no fétidos e maléficos navios negreiros para as terras de Pindorama, além disso, posso me dá ao luxo de juntar a lista Sacerdotes de Isese (Ifá) e Babalorisá, bem como, por árvore genealógica vários degredados pelo Santo Ofício pelo crime de heresia e feitiçaria, cujos descendentes são hoje rezadeiras e Catimbozeiros.

Mas jamais cairia na asneira de inventar um avó Sacerdotisa da Deusa, ou um avô Druida, pois bastaria uma lida em “Os Celtas” de T. G. Powell, “Uma Luz Sobre Avalon” de Maria Nazareth Alvim de Barros, “ Portugal: Terra de Mistérios” de Paulo Alexandre Loução, “ Náufragos Traficantes e Degredados” de Eduardo Bueno, e em “O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial” de Laura de Mello e Souza,  para toda a farsa vir por terra.

Portanto, essa historia  - de beijar beiço de jegue achando que é arroz doce -  de um tempo pagão feliz, Matriarcal, em que a Deusa saltava lindamente pelos campos e os invejosos patriarcais da cristandade vieram e destruíram este reino de encantos e somente um pequeno grupo seleto de escolhidos - e entre eles estava uma suposta avó sacerdotisa bruxa que lhe deu um livro das sombras (copia  mal feita do roubado de Gardner) não tem sentido nenhum para mim.

Lembro que na época do Circulo da Lua eu já era “persona non grata” entre a pseudo nata de Bruxaria dentro e fora da Bahia por não advogar a causa da Bruxaria Matriarcal focada na mulher e num feminismo distorcido e muito menos por aceitar a Arte como religião.

Alias, a firmo sem medo até hoje, nunca houve uma religião da Bruxaria, houveram sim grupos de heréticos que viam no “Pai Diabo” muito mais amor e compaixão que no “Pai Deus”. Não preciso explicar o conceito religioso da época e nem o papel cruel da Igreja, em especial contra as mulheres. Vejo Grupos na internet adorando deusas cujas sociedades era patriarcais, sem se darem o direito de estudar, não só mitologia, mas história, antropologia e sociologia a qual a deidade pertenceu. Certa feita, só para ilustrar, fui convidado a um festival de Hécate, erroneamente chamado de sabá, onde foi sacrificado, como se diz na Bahia, um “moi de coentro”. Imagine uma Deusa Titânica, cujo papel na sociedade em que estava inserida é de fácil percepção, não sou no sentido ctônico e infernal, mas também de controle social, aceitado coentro como sacrifício. Quando lembro disso imagino Nosso Senhor o Qaiynn rangendo os dentes de ódio. Mas em fim, se existem milhares esperando a volta de Cristo, porque não haveria milhares esperando a Deusa voltar e restituir o mundo de “Sininho” de alguns.

Deixemos as diretas para lá e seguimos nos fatos concretamente abstratos, que valem mais apena. Os Sangues Puros existem sim, mesmos entre os Lobos, há aqueles que carregam a ressurgência não só na prática do ethos e aethus herdados, mas também no próprio DNA e no sangue que correm em suas veias, sangue este capaz de preservar a juventude por décadas.

Antes de ir morar nas Terras do Marquês, eu vivia na Cidade de Todos os Santos, Deuses, Guias, Caboclos e Orixás, uma cidade que pulsa, em seu Centro Antigo, toda uma alquimia de credos e fés, feitiços e ebós, um lugar como nunca dantes houve e nem haverá, cidade mística, onde todo mundo é d’Oxum.

Derrepente uma voz surgiu atrás de mim e falou – Os Anciões querem lhe ver. – Era Adnadyel o mensageiro. Ele se referia aos pálidos, aqueles que por serem descendentes diretos de Semyaja, o líder dos Vigilantes, como são chamados os 200 anjos que abandonaram sua habitação original no céu e desceram à terra e se misturaram com as filhas dos homens, os autodenominados sangue puro.

Eu já os tinha encontrado e até tido contendas com eles, paguei meu preço. Ele  então antevendo  meus pensamentos disse: Dessa vez eles precisam de você, estão com um problema nas mãos e querem que você segure a galinha pulando nos peitos – e depois riu copiosamente.

Seguimos para Igreja e as portas da Igreja se abriram e entramos, eram um lugar sombrio, velas espectrais iluminava o lugar, almas atormentadas choravam e lamentavam em sofrimento, ainda esperando que UM viesse salvá-los, não entenderam que UM não era o que as religiões ensinavam, portanto sofriam e se lamuriavam – passamos por elas, e fomos até a nave, abaixo do altar uma passagem secreta nos levou a um salão em mármore azul, com diversas poltronas de marfim e cobertas de cetim, crânios enfeitavas os braços delas, a luz era bruxuleante.

Benvindo Azazel – me disse uma voz secamente que reconheci na hora, era Urakabarameel, por quem nutria um aversão sem igual, ele continuou: temos um pupilo, ele foi criado por pais de Barro, mas chegou a hora dele saber quem é, e, nós não  conseguimos fazê-lo entender que ele herdeiro da raça pura.

Em tom sarcástico respondi ao pálido Urakabarameel – Que tenho eu haver com o problema de vocês? Não vou  cuidar do filho de uma raça que despreza a minha, quem pariu e bateu que balance!

Urakabarameel levantou-se e vociferando disse: quem é você seu mestiço, sua besta filho de uma lobo para recusar um pedido do Conselho, sua raça ruim de sangue sujo, só ainda existe pela nossa benevolência.

Quem sou eu? – disse e continuei – Sou aquele mestiço que enfrentou Azazel face a face e o venceu e ele se viu obrigado a dar-me o próprio nome de herança, eu sou aquele que diferente de vocês covardes - que se esconderam da face de UM pelo oproprio causado a própria raça - mostrou a cara ao Sol. Seu orgulho de ser raça pura de nada vale, eu carregado o nome e a marca da raça dos Homens-Lobos por merecimento, eu não me escondi feito um rato, e quanto a destruir o barro que é meu corpo, o fogo habita em mim, saiba velho, que eu fui até UM, e eu escolho quando e onde nascer, eu escolho meu destino.

Urakabarameel gritou: Cale-se seu filho de uma besta.

Eu retruquei – Sou filho de uma besta-loba com Qaiynn, que preferiu uma Bruxa que as suas filhas, Qaiynn é meu pai  por herança de nascimento, não tenho alma de luz dele e reconheço isso, mas tenho alma de fogo, eu sou Azazel Qaiynn Semjaza, por sangue derramado, por pacto com Diabo, eu matei Abel em mim e me libertei da escravidão, eu ensinei os meus a serem livres e não temerem a morte e nem temerem a vocês que matam corpo e esquecem que o fogo se renova na existência e a luz ascende  e desaparece um UM, eu os ensinei a irem diante de UM e exigir o direito de ser quem são, então preste atenção velho eu não sou como os fantasmas da Igreja acima, sou herege por natureza. Jamais ouse me ameaçar outra vez.

Antes que Urakabarameel me respondesse, uma voz na penumbra do salão nos interrompeu: Semjaza, eu sou Asael e também carrego o sangue de Azazel, peço em meu nome e não em nome deles que aceite ser meu tutor.

Urakabarameel, com os olhos quase em sangue e espumando ódio como um cachorro com raiva o interrompeu – Esse arrogante se acha no direito de nos dizer não, irei extermina-lo dessa vida.

 Eu ri alto e e respondi: eu renascerei e o condenarei a me perseguir sempre, será seu castigo.

A Confusão estava formada, os velhos pálidos gritavam me ameaçavam, juravam que iria sorver cada gota de sangue em mim – e eu em tom de ironia dizia: sangue de lobo? Vocês farão como Qaiynn? Que misturou seu sangue as filhas da bruxas em forma de lobas no cio?

Asael, da penumbra em que estava, por fim os convenceu e a mim também que eu seria a melhor opção para treiná-lo, acertada as coisas. Saímos, Eu e Adnadyel, por onde entramos ao som dos choros e rangidos dos fantasmas da cristandade, seguidos por Asael, que vinha atrás ainda envolto em penumbras. Quando me encontrava na frente da Igreja Asael, disse nos veremos outra vez, me reconheça.

Passaram uns dias, e lá eu estava subindo e descendo as vielas onde meus antepassados escravizados era chicoteados até sangrar, mergulhado numa viagem de tempos outroras ali vividos, derrepente senti uma presença atrás de mim, virei-me de pronto, meus olhos castanhos cruzaram com dois olhos verdes, eu estremeci, ele era a imagem do Querubim Medieval, cabelos anelados, pele clara como o leite, recoberta de penugem douradas, seu corpo esguio, bem modelado, seu  rosto ainda com os sinais da puberdade, ele parecia ser esculpido em mármore puro e raro por Michelangelo, e os sinais da adolescência não fazia jus a todo o conhecimento que sua alma carregava. Na hora percebi que ele era da Linhagem pura, sua tez quase pálida, sua voz grossa, exarava toda a masculinidade que seduziu as filhas do barro vermelho na queda dos vigilantes.

Dono de uma beleza ímpar, ele talvez – ou não - não tivesse noção que se alimentava das almas e sangue dos que eram enfeitiçados quase que instantaneamente por sua beleza.  Ela me seguia já há tempos, parou e disse:  Se eu fosse um ladrão já tinha roubado.  Eu quase sucumbo de imediato a seus encantos, não que isso fosse à vontade  dele, pelo contrário, sentir que algo atormentava seu Espírito. Era o “Primeiro Amor”, sim o amor que seus antepassados sentiram pelas pobres filhas do Barro, que estavam condenados a uma vida de progressão lenta e dolorosa para chegar a perfeição de auto-deificação, aquele amor que levou os Guardiões a abdicarem de seus postos diante de UM e desceram à terra do pesadelo, para prepararem os mortais para possuírem almas imortais e serem Egos-deificados, aquele amor-primal, que os condenou a terra de Areruza, ao Deserto Escaldante, as mundos infernais – dentro do profundo da mente animal, para que, de dentro para fora, forjem o homem de fogo e luz.

Eu o amei instantaneamente, não com o amor de corpo, mas com, um amor que vai, além disso, minha alma, sentiu-se não seduzida, mas aconchegada, acolhida, protegida dentro do circulo do primeiro-amor. Ele também, me amou, mas do que ele próprio imaginária, as muitas vidas e almas que vivemos e tivemos falaram nele, por ele e para ele, e em mim, por mim e para mim, e por nós. Ele sorriu, foi como se um raio de luz, uma luminescência de ouro, iluminasse tudo ao redor, o tempo parou, e por segundos que pareciam séculos, eu ao amei outra vez, o amei, ao ponto de querer fundir-me a ele de corpo e alma e ser um com ele, a palavra amor naquele instante fazia todo sentido – troca -  a palavra desejo ultrapassava o limite do mensurável.

Com aquele sorriso, ele me fez mergulhar no amor-primal, num amor sem limite que se sente, além dos sentidos e da biologia, que se quer além da morfologia. Ele se revelou na sua similitude e disse coisas símeis aos fatos sem expressar um som. Mas, enquanto aquela epifania explodia, no meio de seu sorriso, ele disse, “Semjaza”, e o mundo voltou a ser o que era, a velha Praça do Mirante, diante de nós a beleza do mar da Baia de Todos Santos e atrás de nós a velha e quase abandonada pequena capela de Nossa Senhora dos Navegantes onde haviam encontrado os Anciões.

Eu perguntei quem é você?

Ele respondeu: Me reconheça....

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O texto é uma homenagem a Clóvis Júnior (Asael Semjaza Lvnae) meu amigo e irmão desta e de outras vidas, o qual sempre vem me inspirado a nunca deixar morrer a chama lucífera que arde no sangue Lvnae.  O  texto é uma ficção e como tal ele  diz mentiras símeis aos fatos, “e dizer mentiras símeis aos fatos é furtá-los à luz, encobri-los. As mentiras são símeis aos fatos enquanto só os tornam manifestos como manifestação do que os encobre " ele, revela assim, similitude que se oculta na verdade e na mentira no estreito caminho entre o cinismo e a ingenuidade...