sábado, 2 de julho de 2011

SÃO JOÃO E A FESTA DO INVERNO - UMA VISÃO POUCO ORTODOXA

Inverno e a Festa de São João – O Chamado Terra Natal

Em fim chegou o Solstício de Inverno, a noite mais longa do ano do lado de cá do mundo, e aqui no Nordeste, esse momento coincide com a Festa de São João. Sim!!São João no Nordeste, quem nunca veio, venha para cá, não vai se arrepender, essa é a festa mais esperada do ano, é um período marcado pelo retorno ao interior, por uma volta as raízes, por uma busca de proximidade familiar, as danças, as comidas típicas, as roupas rendadas e floridas, as fogueiras, as simpatias, tudo lembra retorno, tudo lembra inicio. Tudo lembra Interior.

“...Estranhas labaredas instigam “os filhos da diáspora Sertaneja” a reverenciarem sua terra natal, a confraternizarem com seus parentes, a comerem dos produtos que o chão produziu, “o fogo da terra” arde dentro do sangue e chama seus filhos à retornarem em peregrinação para celebrá-la...”
Mesmo quem nasceu e cresceu na cidade grande sente essa estranha energia que impulsiona, que chama, e quem nasceu no interior e mudo-se para os grandes centros urbanos não fica imune a esse poder, ele vem em forma incontrolável de uma saudade, de uma nostalgia, de uma vontade de voltar à terra natal. Sim, essa força tenta a todo custo nos arrancar do
caos da selva de pedra e tenta nos guiar para as localidades mais distantes e as vezes mais isoladas ou desoladas de nossa origem.

Assim, levados por essa força e poder, em junho acontece um dos maiores êxodos ou peregrinação às origens para o povo Nordestino. Os Filhos da Terra viajam às vezes 24 horas ou  mais de ônibus para lugares que em outras épocas do ano quase que passam despercebidos, mas que em junho, estranhamente iluminam-se com as luzes das velas das trezanas do Santo Casamenteiro e com as fogueiras do Santo Anunciador das Boas Novas e do Santo das Chaves do Céu.
O Inverno e a Primeira Colheita



Estranhamente no interior da Bahia, o inverno frio e chuvoso é o momento da “Primeira Colheita”, aliás, por cá já se sabe se haverá colheitas fartas e abundantes desde o dia 19 de Março, dia dedicado a São José, apenas prestando atenção se chove (e quanto) ou não, portanto, consciente ou não, o equinócio de outono, é uma data importante para o camponês sertanejo, que dias antes procuram convencer o Santo por meio de novenas, missas e procissões a mandar boas e abundantes chuvas.

Mesmo o inverno sendo o período simbolicamente mais escuro do compasso, é nele que  aqui no Nordeste do país se colhe frutos e grãos dourados, amarelos e avermelhados, cores flamigeras, a exemplo do caju, da laranja, do jenipapo, do amendoim, do Milho e da Mandioca, que sem desmerecer as demais culturas, são as mais festejadas e utilizadas neste período.

Por outro lado, sendo a primeira colheita do compasso, ela se torna uma forma de “augúrio” que se bem observado poderá nortear nossas ações (sejam elas profissionais, educacionais, amorosas ou dentro da via tortuosa) para o restante do ano.  No São João tudo que foi plantado em março, está sendo colhido, portanto, essa viagem ao interior deve conter um si um momento de colheita pessoal, ou seja, deve refletir a viagem ao interior de nossa própria vida,  Devemos nos sentar ao redor do fogo e fazermos um balanço de nossa situação, analisarmos friamente nossas relações de amor amizade, nossa vida profissional e educacional, como anda nossa saúde, esse é um bom momento para nos perguntarmos:

O que realizei até agora do que havia planejado para mim?

Fui capaz de mudar a realidade?

Às vezes essa analise pode ser decepcionante, os frutos podem ser amargos, a luz da fogueira pode nos mostrar que continuamos na mesma mesmice de sempre, que não fomos capazes de mudar a realidade nossa e ao redor de nós, que continuamos puro barro mortal, refletindo “Abel.

O Inverno e o São João para os Corvos Lvnae Nordestinos


O São João é um momento de retorno as origens, o momento de se saber quem se é e qual a sua origem, bem como, é o período de reflexão, onde reverenciamos o Fogo e Iconoclasticamente a São João, o anunciador do homem de luz, seu ícone torna-se um vaso para o poder do de “Nosso Senhor que Transforma” e nos prenuncia a renovação necessária.
O inverno é momento de Celebração do inicio do Quarto Mês da Gestação simbólica da “Mulher-Cova-Terra do Outono”, que agora é coroada “Escura Senhora Destino” que nua de pé sobre encruzilhada prenuncia o nascimento de uma nova raça, raça essa descendente das estrelas, cujo sangue de fada, reflete-se nas cores amarelo-vermelho-fogo dos frutos e grãos de junho.
“Bendito seja o Fruto de Teu Ventre, nós tuas crianças de Fogo cujo símbolo no Inverno é fogueira de São João”.
Também nós reverenciamos em Junho “Os Anciões” e nos sentamos junto os nossos velhos ao redor da fogueira para ouvirmos as lendas e histórias de nossa terra.
Nessa época, fora da área de sangue, junto com família, partilhamos (internamente) do sacrifício dos grãos e dos Frutos, através das comidas e bebidas. Sim, ali no meio da Multidão, em plena Festa do Santo, praticamos nossa heresia, bebemos e comemos do sangue e carne da Criança da Promessa e dançamos o arrasta pé e a quadrilha até o sol raiar para anunciar que a luz permanece no sangue dos Filhos do Céu e da Terra.  Assim, pois, é o São João para os Corvos Lvnae... Mas para que saber mais? Basta que entendas que... Em silêncio, o Corvo, espera o dia 29 de Junho e diante do fogo de Nosso Senhor, sobre o ícone da Heresia de São Pedro, após realizar a sua dupla profissão de fé e de rezar a oração inversa declara: 
"Nem por Deus e nem pelo Diabo, mais por mim, por mim e por minha própria natureza Qayinnita...Eu não desistirei, eu mudo minha realidade, minha alma é de fogo,, eu caminharei sobre a estrada de fogo de meu ego..E não desistirei, Oke, Oke, Okê!..Salve, Os Mestres..."
[1] Claro que vemos aqui práticas para garantir fertilidade e boas colheitas, reminiscência de práticas pagãs cristianizadas ou sincretizadas, sobrevivente no interior do Nordeste. Aliás, é justamente nesse período que nós cá em nossa prática de dupla fé celebramos sobre o ícone do Santo Padroeiro da Chuva para o Nordeste nossa Heresia da “Queda da Luz”, pois a semente lançada na terra equivale ao ato dos 200 em Hermon.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante, perceber que é no recolher que descobrimos os frutos,esta analogia ao ir para o interior,nossa terra;é o caminho vivido externamente ,reflexo do que vivemos internamente,e as portas do céu pelo ícone de são pedro pela viúva que o adora ,é realmente a nossa alma que busca a chave ao reencontro com o nosso "ser de fogo".Vai ao interior de sí mesmo,morre, reencontra as raízes perdidas pelo tempo e que devem ser regadas com o nosso suor e
regozija-se com os frutos ,com o que buscamos lá no fundo de nós mesmos.E com prazer comemos os alimentos juninos.

Mia Lopes disse...

De fato! Esse é o período que sentimos vontade de voltar para o interior, de ficar distante das tecnologias, de correr de porta em porte comendo e bebendo, dançando e cantando.
Lembro-me da minha infância e do São João na roça, de ver meu pai contando estórias de caipora, lendas de São João, de estourar bomba na mão, enfrentando o perigo e achar a coisa mais divertida do mundo.
Realmente essa é a primeira colheita, é inacreditável o nível de fartura, bolos de tapioca, carimã, milho, fubá, licores dos mais variados sabores, só não pode faltar o de jenipapo e a laranja, sem esquecer do amendoim. Muito bom!
Mas passado todo o saudosismo, realmente esse balanço do que plantamos é real, já que esse é o mês que divide o ano. Fazendo uma ousada transliteração, descobri que São João é sincretizado com xangô, ambos tem como principal elemento o fogo. Seria esse o momento de saber se fomos justos com nós mesmo.
Passado 6 meses, temos mais 6 para tentar aproveitar a boa colheita ou tentar sobreviver a seca, buscando outros caminhos possíveis para resignificar o plantio.

Sett disse...

Gostei. Tudo a ver. Parabéns.

Unknown disse...

Acho interessante como, através das tradições e permanências, os espíritos da terra e daquele local específico permanecem fiéis às orações e as festividades.

O devoto que alimenta seus santos com a devoção também é alimentado com os favores dos espíritos. É um caminho de mão dupla, é fantástico como essas coisas sobrevivem com as roupagens da religião "oficial"...

Parabéns pelo texto.