O DIÁRIO DE AZAZEL – PÁGINAS 1715 – 1717
“Perfeição da Vida Por que prender a vida em conceitos e normas? O Belo e o Feio... O Bom e o Mau... Dor e Prazer...
Tudo, afinal, são formas E não degraus do Ser!”.
Mario Quintana
Olá meu querido Diário, não faça essa
cara de zangado, por eu ter passando alguns dias sem te alimentar com as linhas
de minha pena e com tinta de sangue, tente entender que às vezes preciso de um
tempo só pra mim e por isso não te levei no meio passeio pelo Distrito. Mas sua
fome será saciada, deixe-me contar sobre teu corpo pálido algo inusitado.
Meu querido...
Apesar de estarmos a poucos quilômetros
das Terras do Marques, as coisas estão andando relativamente muita calmas aqui
no Distrito Industrial, sentindo-me um tanto mais a vontade, decidir dá uma
volta, não como faço diariamente, cruzando o Distrito de um lado a outro sem
reparar de fato em como ele era, aliás, fora o céu sempre cinza pela fumaça e o
ar quente e abafado, e os efeito dos gases das indústrias, não tinha de fato
observado o lugar - por isso não levei você comigo, pois os augúrios eram
favoráveis e não precisaria lançar mão de você em caso de urgência..
Andei e conheci boa parte do Centro e
bem ali no centro do Distrito, há uma praça, muito bem cuidada, dividida em
duas partes, a primeira parte fica do lado leste - contendo, quadras
de basquete, vôlei e futebol, espaço para skate e patins, um pequeno parque
infantil, uma caixa de areia - e a segunda parte fica a oeste – neste lado há uma
bela praça arborizada entre elas, bambuzais e canteiros de flores, cercados por
aros em ondas, também há belos bancos de ferro (pintados de prata) e um belos
jorros d´água sobem de piso e são iluminados á noite por refletores de cores
variadas - e, dividindo as duas partes da Praça, há um posto da Policia Distrital.
Neste local, cercado, por lanchonetes
famosas - e não tão famosas – há também, lojas populares e de grifes, templos
religiosos, e, e em todos os lados desse retângulo há vias bem esfalfadas e
sinalizadas para os veículos sempre em movimento - vi idosos,
adultos, jovens e crianças, passeando, conversando, falando dos mais variados
assuntos, outros brincavam, jogavam, namoravam e trocavam juras de amor, em
fim, ali é um ponto de efervescência social, um ponto de convergência das
raças, um lugar de inteiração entre os que sabem e os que guardam o segredo do
Pacto ou trazem a marca dos proscritos.
Respirei profundamente - esperando
sentir, o fraco odor de amônia que impregna todo o
Distrito - e para minha surpresa, naquele espaço, ele era totalmente
ausente, ali o ar cheirava levemente a bosques e matas, o ar era
totalmente diferente e limpo – vi pequenos roedores e saguis, pássaros e outros pequenos animais nos nichos de plantas, arvores e flores, o que
fazia daquele espaço um local onde a vida era sentida, não fosse pela
arquitetura, diria que ali era um pequeno pedaço do Éden.
André – vaso usado, temporariamente, como hospedeiro pelo meu servidor Íncubo - reparou na surpresa que se estampava em meu
rosto e no da minha cria humana disse: Vocês não esperavam isso néh? – como que adivinhando minha resposta ele disse: Este Distrito tem seus mistérios – e rimos os três disso.
Realmente eu estava
muito surpreso com aquela Praça, tudo era perfeito, perfeito demais – até mesmo
para um Distrito Governado pelos Anciões – cujo lema era: ABSQUE ARGENTO OMNIA
VANA (Sem dinheiro, tudo é vão) - aquele lugar estava por demais
perfeito - meus instintos me diziam: não fique surpreso e sim preocupado com a perfeição
deste lugar, pois ninguém jamais conseguiu manifestar em expressão visível a
perfeição de qualquer grau- mas perfeição,
só é perfeição se não tiver imperfeição alguma, tão certo assim, que logo um pequeno detalhe me atraiu os sentidos.
Contrastando com toda
a beleza do lugar, havia um senhor de idade, cabelos e barba totalmente grisalhos,
pele negra, rosto marcado pelo sol e pela idade, no pescoço usava algumas guias
- que lembravam o culto aos orixás –, um rosário de madeira e uma medalha de
São Cipriano, que pendiam até o peito. Sua camisa velha e rasgada mostrava
remendos de vários outros retalhos, sua calça, também velha e amarrotada,
também continha remendos. No seu lado esquerdo, ao chão, um saco de linhagem
sujo - cujo conteúdo não saberia dizer. Pude ver mãos calejadas – que seguravam um pedaço de
pau, que fazia às vezes de cajado. Ele estava sentado no lado norte da praça, próximo a fonte de água, cercado por pelos menos
cinco cães de ruas, com quem dividia, um pouco de resto de comida e água. A
cena me deixou em êxtase, pois, sua aparência, apesar de suja, demonstrava
altivez e às vezes me fazia lembrar ora daquelas imagens de Preto Velho e oras
a imagem de também São
Lázaro. Parei a poucos metros
dele e observava-o.
André, vendo meu
êxtase, disse: Pare de olhar assim, seu Antônio tá aqui há muitos anos,
mesmo antes de eu nascer, meu Pai me disse que seu Antônio já era velho no
tempo em que era jovem e solteiro e desde aquele tempo do ronca que ele já
mendigava aqui, ele pede esmola pra beber. Porra, vamos andar tem muito pra ver
ainda.- o vaso do meu Servidor falava, mas eu não conseguia
sair dali, não conseguia parar de olhar para seu Antônio.
Seu Antônio estendeu
a mão em minha direção e pediu – Moço me dê uma esmolinha pelo amor de Deus, para
eu comprar comida pra mim e meus cachorros – Prontamente me aproximei, e acho que influenciado
pelo que André tinha dito e falei – É pra comprar comida mesmo né, não é pra comprar
cachaça não né?
Ele fixou seus olhos
negros em mim respondeu:
E se fosse? Muito me
admira alguém que se diz amoral, me julga justamente, pela moral enraizada na
própria Psique?
– Aquela
resposta me pegou de surpresa, não tinha como retrucar. Seu Antonio continuou a
me bombardear com perguntas.
Qual é a sua
intenção ao me dar a esmola?
Você quer saber se
valorizei seu ato de compaixão?
Sua intenção de me
ajudar só teria efeito se eu comprasse comida?
O que vale mais seu
ato dar é ou o que farei com o que me deu?
O bem que você acha
que esta me fazendo só seria real se eu comprasse comida e seu comprasse
remédio ou crack?
Qual sua
responsabilidade se ao me dar eu comprar uma faca e assassinar alguém, ou então
gastar com comida ou droga?
Ou quer de fato ao
me dá esmola? Dar por dar ou me converter a sua forma de pensar e cercear minha
liberdade de escolher o que fazer com o que tenho ou ganho? Quer me ensinar os
bons costumes e a moral vigente?
Fiquei extático e
meu corpo não teve outra reação, se não, diante dessas e outras perguntas,
sentar-me em frente a ele para escutar.
Ele continuou – pelo visto não te achas Mestre,
pois em anos tu és o primeiro que senta-se comigo aqui – logo percebi que sua aparência era uma mascara e
respondi – Senhor, sou apenas um
buscador, um exilado – ele de
pronto retrucou – exilado pela
marca e maldição que carrega em teu sangue e pelo prego que quando aquecido te
faz ir da floresta ao deserto, e, do deserto ás sombras. Mas já
que sentou, ouça-me, as pessoas
passam por mim e sentem nojo, sentem pena, e quando me dão algum dinheiro
sempre recomendam que compre comida, se não, nunca mais me darão nada, essas
mesmas pessoas batem ou enxotam os pequeninos que me acompanham e me protegem,
sim, essas criaturas de Deus, estes cães, sujos, fedidos, sarnentos e
pulguentos, e fazem isso com a maior naturalidade e depois ainda vão para seus
templos realizar seus atos de adoração a seus Deuses. Como conseguem fazer?
Respondi: amo cães, e não os maltrato – Seu Antônio, mais uma vez fixou seus olhos nos meus
e como que perscrutando minha alma disse: você trás no sangue a marca, você
é considerado por eles como um parente deles, e só luta contra os seus parentes
pela própria vida ou para proteger a Matilha – minhas percepções se confirmaram, que não
estava diante de um humano.
Seu Antônio, então fez
uma pausa, afagou cada um a um os vira-latas, que lhe retribuiu com lambidas e
continuou: Sabe porque as pessoas agem assim? – respondi: não.
Seu Antônio então me respondeu:
Porque agem a semelhança dos deuses que servem, eles não conhecem o Sagrado a
não ser através da escravidão do credo e da moral, o que erroneamente chamam
deuses ou deus e que servem, é uma coisa aterradora, exige adoração, submissão,
temor, e obediência total, exige que matem os que não adorarem como manda o credo ou fé. Que ser este? É Deus? Como pode um “Ser Supremo”,
Auto-Suficiente, Absoluto, imutável, transcendente, ser pior em sentimentos e
exigências que a mais baixa de suas criaturas consciente? Um ser que se diz
Supremo e se alimenta do temor não pode ser Chamado de Deus.. Deus é muito
maior, Deus é amor, e essas pessoas tem falta de amor, e isso é um grau
de imbecilidade, porque o amor é a perfeição da consciência.
Seu Antonio parou e
abriu o saco de linhagem e tirou de lá uma garrafa plástica contendo um líquido
avermelhado, que julguei ser vinho, em seguida um pacote de fumo, e um pequeno
maço de papéis, fez dois cigarros, verteu parte do líquido numa caneca de alumínio
sem brilho e desgastada, tomou um gole e me ofereceu, e sorvir ainda admirado
pelo que ouvia, acendeu um cigarro e me passou e em seguida acendeu o dele e
fumamos e bebemos por alguns minutos.
As pessoas passavam e achavam a cena bizarra e eu não estava nem um pouco incomodado
As pessoas passavam e achavam a cena bizarra e eu não estava nem um pouco incomodado
Seu Antonio prosseguiu
- Elohim disse, “façamos o homem, ó
Querubins, conforme a nossa imagem e semelhança” e o homem disse para que
possamos dominar é preciso que Deus seja a nossa semelhança e não nós a dele,
assim, eles criaram a religião.
Então – disse eu e continuei – pode ser que a arrogância humana,
tenham mudado a imagem do Deus
Infinito, em semelhança de si mesmo, impondo aos demais pela força e pelas
armas, o deus finito ?
Em resposta seu
Antônio disse: o homem criador da religião adaptou - a bel prazer de suas conveniências e desejos de dominar ao próximo - o Imutável em
suas frustrações temporais, o Intemporal foi mudado no credo para o temporal, e
para resgatar a humanidade para o ponto original, para o centro da Encruzilhada o Primeiro-Raio-Luz- caiu na carne, no meio do
Éden, e ali nasceu Caim, o raio que tocou a terra, o martelo que bateu na
bigorna, e pelo sacrifício de Abel, ele quis re-velar aos humanos a tocha sobre
a cabeça do Pai-Bode, o Espírito que é Fogo e Luz, que é Deus-Dentro-Si, quem
se é, qual a sua origem e qual é o seu destino, ele quis apontar a direção ao
Paraíso perdido. Mas, a moral e bons costumes, o exilaram e ele perambulou
pelas terras desérticas da solidão.
Seu Antonio repetiu
os gestos do cigarro e vinho e os dividiu comigo, partilhou pedaços de pão
francês entre os cinco cães que comeram felizes o pouco que tinham, e
continuou: Ele
retornou novamente e ensinava ao povo que Deus não era o “Senhor da Guerra e
dos castigos, sedento por sangue e vingança”, mas era Abba, O “Pai Supremo” de
seus filhos pródigos e novamente foi sacrificado.
Ninguém entendia
nada - André e a minha cria humana ficaram de longe - todos passavam e viam
admirados: um mendigo e homem bem vestido sentados no chão de ladrilhos da
Praça Central do Distrito – os que sabiam e os guardavam o Pacto não estavam
imunes ao fato, sabiam o que se passava ali -, sorvendo goles de vinho de terceira categoria,
fumando cigarros de feito com fumo e papel. E eu via diante de mim, um Espírito
Guardião, um Sábio.. Levamos horas ali falamos sobre ..... Deus é muito mais do que possamos imaginar, muito
mais do que queremos que fosse... até que ele me disse: vá agora, está ficando tarde – Chegando em casa, peguei você para escrever meu
Pequeno Magistellus e cá estamos nós – ALEA JACTA EST.
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P.S: O
texto é composto de mentiras símeis aos fatos... “e dizer mentiras símeis aos
fatos é furtá-los à luz, encobrí-los. As mentiras são símeis aos fatos enquanto
só os tornam manifestos como manifestação do que os encombre " ele,
revela assim, similitude que se oculta na verdade e na mentira no estreito
caminho entre o cinismo e a ingenuidade.....
Um comentário:
... e quantos não existem por aí. Massa
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