terça-feira, 26 de abril de 2011

BRUXARIA E RE-LIGARE

RELIGIOSIDADE POPULAR x RELIGIÃO ESTATAL

A HERESIA DA BRUXARIA

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Muito se tem falado a cerca de nossas práticas como um Coventiculo do Ofício, pessoas com boas ou más intenções tem informado coisas não corretas a nosso respeito, pelo que soubemos houve até acalorados debates a cerca de que fazemos ou não, misturas com as práticas das religiões afro-brasileiras.

Como tenho dito a questão é “NÃO” fazemos misturas com nenhuma das religiões "afro-brasileiras" o que fazemos, é, mas uma questão de resgate da nossa herança cultural vinculada as nossas origens, raízes e sangue.

Por exemplo, certo dia uma amiga questionou (depois de ver numa das fotos nossas) as taças com água num dos altares da Capela de Nossa Senhora Rainha dos Céus (um dos locais de ajuntamento noturno) se era uma forma do Culto de Catimbó...

Respondemos: O catimbó é uma forma de culto do Nordeste brasileiro, que tem na ciência da jurema suas bases, se usarmos a jurema como um substituto de uma planta que entram na composição de certas bebidas e ungüentos herdados da Bruxaria Portuguesa (porque o PRINCIPIO ATIVO e RITUAL tem a mesma “SIMILITUDE”), ao invés de trazer a erva da Península Ibérica que teria custo altíssimo.

a) Por usar jurema estaríamos fazendo mistura de culto?

b) Por usar jurema estaríamos catimbozano as nossas práticas?

c) Por usar jurema estaríamos agregando conhecimento as nossas Práticas?

d) Por usar jurema estaríamos regionalizando nossas Práticas?

e) Por usar jurema estaríamos resgatando conhecimento presente na feitiçaria colonial?

Perguntas retóricas? tá admitimos.

INSERÇÃO DO ELEMENTO JUREMA

Intercâmbio entre os Mundos

Posso afirmar seguramente que não trabalhamos com a mistura de religião ou entidades Afro-Brasileiras na Tradição Ibérica.

Isso não quer dizer que se um Espírito cuja origem seja qualquer culto vier até nós vamos exorcizá-lo, expulsá-lo ou destratá-lo, MUITO PELO CONTRÁRIO, isso já ocorreu, pois certos Espíritos, Mestres e Seres das Matas já vieram até nós, e tais entidades foram reverenciadas na forma reconhecível por elas e trouxeram ensinos, alívios e feitiços. Geralmente vieram a nós, ou como, ou por meio dos mortos dessa Terra, e ISSO OCORREU SEM QUE FOSSE NECESSÁRIO NOS SUBMETERMOS A QUALQUER LÍDER OU RITUAL RELIGIOSO PRATICADO no Brasil.

Como assim, como isso acontece?

Isso acontece porque temos aos poucos aprendido a dar os primeiros passos fora do limite estabelecido pelo dogma e pela moral (das religiões), e mais ainda pelo estabelecido por qualquer religião sobre como conectar o outro lado.

Isso em termos de expressão visível de nossa prática significa que elas não contêm a figura do INTERMEDIÁRIO entre o PROFANO e o SAGRADO, e mesmo assim temos resultados esperados.

Por exemplo, Mestre Francisco, um jovem vaqueiro que morreu antes dos 21 anos, no final dos anos 40, é um dos poderosos dessa Terra que nos ensina nos portais da Hypnogogia. Mestre Chico, quando vivo, tinha fortes ligações com a jurema e seu culto, e, no entanto, nunca nos pediu ou exigiu nada em troca desse conhecimento, a não ser que preservássemos ciência ensinada por ele com coração e fé e a usássemos apenas quando necessário, nós é que na nossa teimosia sempre representamos os reinos e cidades da Jurema no Altar Lasa do nosso Santuário Coventicular...

Assim a inserção do elemento Jurema existe, e com isso fazemos alguns de nossos trabalhos... Até porque como já dito nós “LVNAE” temos uma inclinação de buscar resgatar praticas comuns a Feitiçaria Colonial e agregá-los as nossas práticas... E nisso louvada seja nossa sagrada HERESIA...

E por isso nós declaramos: “...UM LVNAE DE VERDADE, NUNCA PERDE A ROTA... NÓS NÃO PRECISAMOS NOS COVERTER A NENHUMA RELIGIÃO, NÃO PRECISAMOS NOS TORNAR AQUILO QUE MAIS COMBATEMOS: ESCRAVO DO POR QUE; E NÃO PRECISAMOS LAMBER O PRÓPRIO VÔMITO DE NOSSA HONRA....”

Quando se é marcado como LVNAE, quando se tem ALMA DE FOGO e O SANGUE DAS FADAS, não temos que nos submeter aos rituais das religiões para ter acesso a Gnosi, apenas precisamos suportar e VENCER AS ORDÁLIAS, ter coragem PARA CORTA NA PRÓPRIA CARNE O DESAPEGO e isso cuidamos de fazer

AS “RELIGIÕES” E A FEITIÇARIA.

Agora existe, para nós, uma diferença em ser iniciado em vários fluxos de linhagem da Bruxaria e ser iniciado nas “religiões” que lide com aquilo que os antropólogos e etnólogos chamam puramente de religiões fetichistas.

E porque essa diferença tão obvia?

Simples, a Bruxaria é um Ofício, e é também a Feitiçaria Herética, ou seja, aquela que foge a regra estabelecida pela religião e funciona sem o patronato de religião e sem a batuta de um Líder religioso.

Como já disse existem vários fluxos de linhagens dentro da Arte... Entenda a Bruxaria é um Ofício... E não um religião, talvez as modernas práticas de Culto da Religião da Deusa seja a Bruxaria Moderna (eu disse talvez!!!), mas as pessoas não atentam para um detalhe:

A palavra “MODERNA” depois da palavra “BRUXARIA” significa aquilo que pertence ao tempo presente ou a uma época relativamente recente, hodierno, atual, aquilo que é moderno ou de acordo com o gosto moderno, o novo, o recente, o criado recentemente.

Ou seja, alguém remodelou velhas crenças e práticas da Feitiçaria medieval, tornando-a em acordo com a idiossincrasia da época e até mesmo seus símbolos e signos tornou-se algo diferente, e é consenso que a atual (MODERNA) e POPULARIZADA religião da DEUSA é de fato um moderno (novo) culto de Bruxas que tornou-se algo aceitável pela sociedade em detrimento as práticas e mistérios das Bruxas anteriores ao século XX.

Por isso, posteriormente alguns praticantes da “Arte Sem Nome” saíram das sombras e denominaram suas práticas de “BRUXARIA TRADICIONAL” delimitando assim claramente a linha entre Bruxaria Tradicional e Moderna...

Se fossemos procurar um parâmetro histórico entre Bruxaria Tradicional e Moderna, eu diria que o equivalente seria a REFORMA PROTESTANTE, e antes que algum “xiita” me jogue pedra, quero que entendam o sentido do que estamos dizendo, e eu não estou afirmando ou dizendo que a Bruxaria Moderna é cristã, ao contrário, ela é pagã em gênero, número e grau. Apenas fiz um parâmetro comparativo na história.

RELIGIOSIDADE POPULAR E RELIGIÃO ESTATAL

A Bruxaria Tradicional traz em sua composição á herança mágico-religiosa de um povo, ou seja, os mistérios, a magia ou feitiçaria oriunda da cultura, geralmente, essa herança contraria ou distorce as práticas milagrosas (oferendas, suplicas, rogos, orações e interseções) dos Sacerdotes e conseqüentemente distorce o dogma, um exemplo disso, são as Rezadeiras do interior, que usando ramos de ervas realizam a cura, essa prática não lhe é autorizada pelos Cânones da Santa Madre Igreja, mas é uma prerrogativa do Sacerdote Católico, e, de certa forma ela está sendo usurpada já que ela não recebeu autorização da Igreja e nem ocupa função Sacerdotal dada pela Igreja. A Rezadeira (inconscientemente) fere o dogma ao empregar a reza e usar nomes, signos e símbolos da fé católica (de forma distorcida e não autorizada), em palavras simples, distorce a magia religiosa dos Sacerdotes e Lideres religiosos do catolicismo, assim ela comete sem saber “HERESIA”, e essa heresia e chamada por nós de magia ou religiosidade popular, e isso e o que buscamos.

Como você pode notar essa religiosidade popular, atrela sobre si a máscara da toponomia (e da cultura), ou seja, do local (de modo geral) onde é praticada, e mais as lendas e mitos agregados à ela com o passar do tempo. Essas diferenças na forma de religiosidade popular faz surgir externamente às peculiaridades das diferentes formas de expressão dessa religiosidade popular (simpatias, feitiços, obrigações, cânticos, ervas, entidades, símbolos, orações e etc,), ou seja, diferentes expressões (externas) de religiosidade popular faz surgir as diferentes formas de heresia ou feitiçaria (cujos objetivos são sempre os mesmos).

O CAMINHO RETO E O CAMINHO TORTUOSO

Lidar com as diferentes formas de religiosidade popular é extremamente sensível, porque as pessoas não olham que existe aqui um componente de “VERDADE PERENE OU ETERNA”, elas se fixam apenas na forma e na diferença e esquecem que essas formas e diferenças expressam essencialmente a mesma verdade.

Observe que falamos da religiosidade popular e não da religião estatal. Existem alguns, com ou não, boas intenções, que sonham com uma Grande Religião de Bruxaria Tradicional, mas isso é impossível, por que a Bruxaria Tradicional é um Ofício...

Cada Coventiculo, Conciliabulo, Ajuntamento Akerrale, Loja, etc.. Trabalha seu Ofício a seu modo, cada um é único, independente, mesmo que sejam irmãos de mesma linhagem.

E nós não precisamos de Religião Mundial de Bruxaria (um Caminho reto) que normatize nossas práticas e destrua o núcleo de Gnosi de cada Clã Feiticeiro, por isso para nós “Corvos” não existem Rei ou Rainha dos Bruxos, não existe Conselho de Bruxaria que não seja de nosso próprio Coventiculo.. Nós dispensamos Associações, Autarquia e Sindicato de Bruxaria, nós nos negamos a termos “representantes dos Bruxos” no país, pois isso tornaria Bruxaria Religião Estatal, domínio de poucos, e não demoraria para surgirem os intermediários entre os Bruxos e seus Deuses e Espíritos (vamos passar a sacolinha??) e as diferentes Tradições brigando para arrebatar mais ovelhas para seus templos e casas...

A FLAMA NEGRA X RE-LIGARE

Graças a Nossa Senhora da Lusitânia, a Bruxaria não é uma religião, porque Religião é Re-ligare (religar o homem ao sagrado), mas o Bruxo tem o sagrado dentro de si e dentro do seu Sangue de Fada, então como posso religar meu sangue herdado dos Céus, como religar aquilo que á parte dele?

O Bruxo é Alma de Fogo, que trilha o caminho de fogo, a estrada feita pela Serpente incendiária, àquela flama negra que iluminou o interior da Ktéis das filhas dos homens na idade dos tempos..

Ora, o re-ligar foi efetuado quando o sangue das mortais foi contaminado pela saliva flamejante da serpente e do luminoso dragão. Portanto, o Bruxo não realiza o re-ligare, porque o Re-ligare é mortal, criado pela religião mortal e pelo homem mortal, assim religião nenhuma re-liga o homem ao divino, porque a religião gerou as figuras do Sacerdote, Pajé, Padre, Gurus, Pai ou Mães, como intermediários entre o que deve se re-ligar e a quem ou ao que deve ser re-ligado... E assim, os inventores da religião cria o dogma que obscurece (e usurpa) o mistério do sagrado dentro da carne, afasta o homem do divino refletido na natureza toda-ao-redor, dificulta ao fiel o acesso ao direito sagrado de filho do divino, inculcando-lhes que somente ele, figura intermediária e sacerdotal, com seus dogmas, ritos e práticas, ou somente a forma ensinada por eles é capaz de re-ligar o homem ao sagrado, portanto o mortal barro re-liga seu Ego ao o Ego do Sacerdote/Líder da religião mortal e não ao sagrado.

A diferença entre a Bruxa e o fiel da religião é aquilo que já dissemos em outras palavras, ou seja, a Bruxa tem o acesso ao divino e ao infernal sem intermediários direto, que forneça e seja, o único meio a esse acesso, ela faz isso, sem a figura centralizadora do culto, ela voa ao céus e desce ao inferno, ela comunga com vivos e mortos, ela muda a realidade ao seu redor, ela cura, ela mata, ela abençoa e ela amaldiçoa; E essas são funções que na religião é do Líder, e como a Bruxa realiza esses atos (de feitiçaria), ela confronta indiretamente o Líder religioso (com suas práticas heréticas) e conseqüentemente ela demonstra a falta de valor e verdade do dogma e a infabilidade sacerdotal e dessa forma a Bruxa é a tornada “persona non grata”, ou seja, ela é retratada como feia, hedionda, diabólica, destruidora de casamentos, causadora infertilidade, ela é acusada de ser a fiel servidora do inimigo da religião...a História prova isso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde que estamos a aqui o Bruxo bate de frente com a religião estatal, seja ela o antigo Paganismo ou o atual Cristianismo, e esse bater torna a Bruxa (ou a Benzedeira, ou a Feiticeira) que realiza o milagre ou cura (sim atos que mudam a realidade ao redor, mas que seu inimigo, ou seja o Líder da Religião Estatal, chama feitiçaria demoníaca), assim a religião dominante ao ter sua função como meio para o sagrado (para remediar ou acabar as mazelas e sofrimentos, para aconselhar, salvar vidas e encomendar almas e acalentar as famílias dos mortos) confrontadas por atos heréticos da Feiticeira, reage e transforma a Bruxa em herética. A Bruxa por isso vive fora do limite estabelecido pela sociedade, e, pela religião que domina e permeia a moral, a religião dita os bons costumes (conforme o dogma) e o Bruxo é marginal por excelência dessa sociedade e sua Arte é herética e demoníaca, cujos resultados são incontestes e eficazes e acontecem sem a permissão da religião dominante e sem o papel do Sacerdote.

Desta forma, a Bruxa (ainda hoje) fere o estabelecido para a sociedade e deve ser punida (perseguida e chamada de serva do Diabo e de filha de Satã), sendo agora a criatura feia, noturna e perigosa que contraia o estabelecido.

Ela é retratada nua, mostrando suas vergonhas, ou em cópula com o Demônio, ou ainda voando numa vassoura (invertida) entre as pernas, porque ela é o inverso da donzela casta. A Bruxa voando contrasta com as virtuosas e submissas esposas cristãs cujo sexo (apenas feito no matrimônio) foi a religião e não o inimigo dela que abençoou.

Assim foi a Bruxa no passado e Assim esta sendo pintada a figura da Bruxa atualmente no cenário nacional, demonstrando por atos, palavras e pensamentos que os mistérios são para poucos, são para aqueles que carregam o sangue das fadas e descem as escadas infernais para ascender até o paraíso perdido....

“...As Fadas continuam raptando crianças de seus berços; elas continuam deixando algumas crianças que não trazem o sangue e marca de Elphame para trás; o importante é que sempre deixam um pequeno demônio para os pais criarem como se fossem seus filhos...nisso consiste o mistério da inocência roubada para quem se atreve a adentrar este caminho tortuoso...Amém”

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Extrato de Conversa pelo MSN em 24 de abril de 2011.

Entre Azazel Semjaza Qayinn Lvnae e Bia Gavazzi

2 comentários:

O Blog disse...

Talvez demore um pouco para as pessoas perceberem que Bruxaria não é religião e sim um ofício. Devido a talvez uma fagulha que tenhamos dentro de nós nos faz precisar da Religião. E muitas pessoas precisam mesmo, precisam de um padre, sacerdote, lider, etc... Mas, como explicado no texto os bruxos tem dentro de si aquilo que muitos não tem, a capacidade de ir para o outro lado sem a necessidade do lider espititual. Quais meios e modos usados para isto cada um deve conseguir buscar, e porque não buscar da propria terra? e porque não buscar dos seus proprios ancestrais? Sim, um bruxo é o mestre da heresia. E ele busca sempre a energia correta para acessar a energia pretendida.

Mia Lopes disse...

Logo no inicio da minha caminha da estrada da arte sem nome, eu achava que devia substituir, seu antes era “Ai meu Jesus” com minha transição o correto deveria ser: “Ai meu Deus canudo”. Quando na verdade essa substituição, era a ânsia pele transformação da bruxaria em uma religião, fruto do mapa enraizado do apego constante com o divino. É por essas e outras questões que surge o grande desafio de visualizar a bruxaria como um oficio.
Adorei a analogia do texto, no que se refere a simulação da bruxaria como religião estatal, o nome já diz estatal, ou seja do estado, e como tudo que é do estado, tem imposto, regras, juros, lucros em fim...Além do mais na religião, para ir a deus é por meio do padre, bispo, pastor, yalorixá e na bruxaria nós somos deuses e deusas, assim como podemos religar a nós mesmos?
Outro fator que diferencia a bruxaria da religião é o valor divino, se em um momento de intempéries um cristão, clama piedade do senhor, na bruxaria o único responsável por suas ações . Não há Jesus, nem Oxalá, só você.
Por fim, acredito que esse é o caminho, como um oficio, ser bruxo é caminhar por todas as estrada para se manter firme, sem perder essência, foi dessa forma que sobrevivemos.
Parabéns, pelo texto.